O instituto da função social da propriedade, apesar de relativamente recente, remonta à Igreja Medieval com a Encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII, em que se discute que a propriedade privada deve facilitar o bem comum. Mas somente a partir do século IXX começou a ganhar destaque especial ao ser tratada nas constituições modernas.
A função social da propriedade no Brasil é justificada na Constituição Federal de 1988 de acordo com o artigo 5º, XXIII e o artigo 186 da Constituição Federal
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;
Art. 186º. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
De acordo com o conceito de Direito agrário, é entendido que: é o conjunto de princípios e de normas de direito público e direito privado, que visa a disciplinar as relações emergentes da atividade rural, com base na função social da terra (SODERO, F. PEREIRA, OB, cit p.33).
Portanto, o direito à propriedade é garantia de todos os Estados democráticos e livres da atualidade. Caso não fosse assegurado o direito de propriedade estaríamos diante de uma situação em que o fruto do esforço de um indivíduo poderia ser tomado por outro, ou mesmo pelo próprio Estado.
A principal função social de uma propriedade rural é a produção de alimentos. No entanto, há também a questões de moradia, do trabalho empregado na propriedade, de agroindústria, artesanato, de lazer, de cultura, de preservação ambiental, do turismo, espaços holísticos de terapia, retiros religiosos, expedições científicas, estudos científicos, etc..
DESENVOLVIMENTO
A ideia de função social da propriedade é bastante antiga. Tendo sido iniciada na idade antiga. Tendo sido iniciada na idade média com a doutrina Cristã. Mas somente a partir do século IXX começou a ganhar destaque especial ao ser tratada nas constituições modernas. Com o crescimento das atividades econômicas ao redor do mundo nesse período as grandes empresas e concentrações societárias começaram a controlar a produção de mercado de forma mais intensa e ao mesmo tempo a doutrina marxista começou a conceber a propriedade como fato de supremacia do capital sobre o trabalho o que posteriormente implicou na socialização dos meios de produção com a revolução russa de 1917.
Assim nasceu a ideia de propriedade ligada a um dever perante a coletividade. Sendo criada as primeiras distinções entre direito de propriedade e uso da propriedade preconizando-se a atuação do legislador para compressão do direito de uso como coletivo.
Dessa forma, passou a entende-se que os bens sempre deveriam ser destinados a produção de riqueza, o que permitiu o entendimento tanto dos direitos do titular quanto da coletividade.
Diferentemente da concepção individualista que privilegia o interesse do titular da propriedade a tutela de propriedade segue perspectiva social. Entendendo que essa, deve suprir o interesse de todo coletivo e não somente a uma pessoa a fim de sustentar a ordem econômica do Estado como um todo.
No Brasil a Constituição Federal em 1988, garantiu o direito a propriedade mas com a exigência do cumprimento da função social.
No título VII da ordem econômica e financeira, a constituição reitera em seu Art. 170, III o princípio da função social associando a exploração dos bens de produção e ressaltando a função da propriedade. Isso implica que a função social é um poder e dever do proprietário e ao mesmo tempo, possa atender o interesse coletivo e assegurar a ordem econômica. Assim a análise da função social da propriedade não implica remoção de direitos do proprietário, mas sim na compreensão de todo e qualquer propriedade deve ter sua função social estabelecida de acordo com o modelo econômico do Estado. Que aqui no Brasil, é o modelo capitalista.
Na atualidade, o princípio confere na caracterização de propriedade dando maior relevância ao conteúdo social e econômico dos bens já que a ordem econômica brasileira depreende o adequado aproveitamento do potencial da propriedade. Assim é atribuído a liquidez da propriedade em razão da necessidade de realização de seu potencial econômico.
O crescimento do capitalismo financeiro passou a reclamar cada vez mais novas adaptações do direito da propriedade para ajustá-los ao próprios modos de circulação do capital do Estado. No entanto, a atividade econômica continua mudando com o passar do tempo. Passando a permitir que empresas e sociedades de ações mantivessem sob sua posse direitos naturalmente atribuídos ao proprietário, assim, o proprietário parou de recair somente sobre a coisa passando a ter como objeto valores mobiliários que tornam relevante a posse direta sob os bens.
Dessa forma, o direito passa de posse ao crédito e muda sem dize-lo o sentido da palavra propriedade.
Na área jurídica, quem cunhou o termo função social da propriedade foi o jurista francês Léon Duguit. Segundo ele, o direito de propriedade deveria ser uma função social e o proprietário deveria usá-lo para o incremento da riqueza e bem comum.
No Brasil, a função social é orientada pela Constituição Federal de 1988 e o código civil.
Para reforçar a importância da função social, é necessário citar alguns conceitos de direito agrário, no qual, destaca-se essa necessidade.
Exemplos de conceitos:
Direito agrário é o conjunto sistemático de normas jurídicas que visam disciplinar as relações do homem com a terra, tendo em vista o progresso social e econômico do agrícola e o enriquecimento da comunidade (Borges, p. Torminn, od cit p. 17)
Direito agrário é o conjunto de princípios e de normas de direito público e direito privado, que visa a disciplinar as relações emergentes da atividade rural, com base na função social da terra (SODERO, F. PEREIRA, OB, cit p.33)
“A relação do homem-mulher-terra visando à produção de alimentos atribuindo à função social da terra, a que é, na verdade, fundamental.
“Direito Rural ou agrário e o conjunto de normas reguladoras dos direitos e obrigações concernentes as pessoas e aos bens rurais”.
– Conceito de Alcir Girsen de Miranda:
“Direito Agrário é o ramo jurídico que regula as relações agrárias, observando-se a inter-relação HOMEM/TERRA/PRODUÇÃO/SOCIEDADE”.
FUNÇÃO SOCIAL COM FORMAS TÍPICAS, ATÍPICAS OU COMPLEMENTAR:
No quesito de produção de alimentos de acordo com o Professor Raymundo Laranjeira a função social é possível entender que há:
– Exploração rurais típicas: que compreendem a lavoura, a pecuária, o extrativismo vegetal e animal e a hortigranjeira.
– Exploração rural atípica: que compreende a agroindústria
– Atividade complementar da exploração rural: que compreende o transporte e a comercialização dos produtos.
Na função social da propriedade, a produção de alimentos pode ser observada na lavoura e na pecuária. Sendo tidas como exemplo:
A lavoura pode ser classificada como temporária ou permanente, ou, como prefere Laranjeira, transitória ou duradoura. São exemplos da lavoura temporária o arroz, o milho, o feijão e outros, e permanente, o café, o abacate, o cacau, a laranja, etc…
A pecuária, à sua vez, pode ser classificado como de pequeno porte, médio e grande. Exemplos de pecuária de pequeno porte são as aves domésticas, abelhas, etc. De médio porte, os suínos, caprinos, ovinos, etc. E de grande porte, os bovinos, bubalinos, equinos ou muares.
TRANSFORMAÇÃO DE PRODUTOS PRIMÁRIOS
A instalação de agroindústrias no ambiente rural é um fator de grande relevância visto que agrega ainda mais na valorização do HOMEM/MULHER, da TERRA, da PRODUÇÃO e da SOCIEDADE.
Exemplo:
– casa de farinha, beneficiamento de mel de abelha, beneficiamento do leite, fabricação de iogurte, leite fermentado, queijos, fabricação de bolos e doces, alambiques, pequenas destilarias para produção de etanol, confecção de materiais utilizando couro, fabricação de chapéus ou bacias com palhas de plantas, fabricação de rapadura e mel de engenho, etc.
Essa campanha habitualmente utilizada no meio agrário é pertinente visto a sua importância.
Muitas das vezes, é necessário apoio governamental e estímulos financeiros para que tais iniciativas perpetuem.
FUNÇÃO SOCIAL DAS ESTRADAS RURAIS
Pouco se aborda, mas há no contexto de função social, as estradas. Principalmente as que liga localidades ou cidades vizinhas. E as estradas dentro da propriedade que auxiliam no manejo agrícola, sendo utilizadas por tratores, carros, motos, caminhões com julietas canavieiras, etc. O transporte de pessoas, bens, mercadorias, insumos, rações, colheitas e animais é de fato, uma função social.
OUTRAS FORMAS DE FUNÇÃO SOCIAL
Além da atividade de produção de alimentos é oportuno incluir atividades que se caracterizam como função social, mas que as vezes, são pouco exploradas.
Sendo elas: artesanato, de lazer, de cultura, de preservação ambiental, do turismo, espaços holísticos de terapia, retiros religiosos, cultos religiosos, esportes ao ar livre e expedição ou interesse científico por exemplo.
Na conjuntura atual, é mais que relevante engendrar iniciativas complementares como essas, pois há uma dificuldade tremenda nas gerações atuais em conseguir ocupação no mercado de trabalho e consequentemente obter recursos financeiros.
DESAPROPRIAÇÃO
E de acordo com o artigo 184 da Constituição Federal o não cumprimento dessa função social da propriedade rural também pode ocorrer a desapropriação da terra para fins de reforma agrária.
Não há desapropriação quando a propriedade for pequena ou média.
Abaixo, segue o Artigo. 184 da Constituição Brasileira:
Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
§ 1º As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.
§ 2º O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação.
§ 3º Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação.
§ 4º O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida agrária, assim como o montante de recursos para atender ao programa de reforma agrária no exercício.
§ 5º São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária.
Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:
I – a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;
II – a propriedade produtiva.
Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social.
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
CONCLUSÃO:
A orientação fundamentada na constituição Federal de 1988 norteia alguns pontos sobre a função social da propriedade, mas é a partir dos esforços correlacionados nos estudos e da prática, que é obtido o entendimento sobre esse fator social, econômico e jurídico. É baseado nessas observações extras, que a perspectiva de função social pode ser encarada com uma visão mais ampla. Saindo apenas da ideia de produção de alimentos, e incluindo também, ações complementares que são formas de função social.
Como a maior parte da população brasileira vive sob uma realidade desigual, é necessário incluir essas ações. Visto que a realidade de acionistas sob perspectiva da propriedade e da função social é bastante desigual em relação a maior parte da população brasileira. No qual, muitos não tem condições nem se quer de adquirir um imóvel.
Esses novos contornos econômicos e sociais deixam o conceito de propriedade cada vez mais complexa criando a necessidade de alterações legislativas que possam assegurar a função social da propriedade. Isso é necessário para permitir coexistência social e manutenção da ordem econômica.
Texto por David Gomes Jatobá ,com trechos retirados das seguintes fontes:
REFERÊNCIAS:
– Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]
– REZEK, Gustavo – Imóvel agrário: agrariedade, ruralidade e rusticidade, editora Juruá, 2007.
-MARQUES, Benedito – Direito Agrário Brasileiro, editora atlas, 11º edição, 2015.
– Silvia C. B. Opitz; Oswaldo Opitz; editora Saraiva,2013.
– https://www.aurum.com.br/blog/funcao-social-da-propriedade/ em 19/11/2024 às 15:48.
– BRASIL, código civil.
– Canal do YouTube: Mariana Lira – https://www.youtube.com/watch?v=BfYyARH-MZc
– Canal do YouTube: Ana Borges – https://www.youtube.com/watch?v=U_8uC75BgEo
Observação: qualquer equívoco no texto ou citações, favor entrar em contato. email: davidjatoba@hotmail.com